A partir da produção de um discurso voltado à liberdade, laicidade e democracia, a Gazeta de Piracicaba construiu sob essa perspectiva um estilo próprio de abordar os temas ligados à educação. Dentre seus diversos proprietários, editores, redatores, funcionários e colaboradores estão professores de escolas públicas e particulares de destaque no cenário educacional paulista, além de estudantes de escolas de Piracicaba e da capital, que contribuíam com temas voltados à educação.
Desde sua criação, em 1882, até o advento da República, em 1889, a Gazeta de Piracicaba firmou-se como oposição aos monarquistas, com constantes críticas à situação educacional do país. A partir da década de 1890, com a instalação do regime republicano, os debates sobre educação se intensificam, assim como a diversidade de suas temáticas, em uma constante alternância entre críticas ao passado imperial e discursos laudatórios em favor das ações republicanas. Contudo, no início do século XX, até maio de 1903, quando encerramos nossa coleta, observamos um acentuado declínio dos debates sobre educação, quando comparados aos períodos anteriores. A partir desse momento, as notícias sobre educação estão mais voltadas para informes e reportagens sobre abertura de escolas, festas, exames e comemorações escolares. O jornal também atuava como uma espécie de "diário oficial" do estado, ao publicar informes sobre provimento de escolas, concursos, licenças de professores, abertura de matrículas e exames finais.
A Gazeta de Piracicaba começou a ser publicada no dia 10 de junho de 1882. Sua periodicidade se alternava com frequência, entre duas vezes por semana, três vezes por semana e diariamente. No decorrer desse período, teve inúmeros proprietários, redatores e diretores, todos vinculados, de alguma forma, ao Partido Republicano. Quanto a isso, há uma nota interessante na edição n. 967, de 12 de dezembro de 1888, que aponta quem eram os proprietários do material tipográfico, muitos deles republicanos proeminentes, de importância regional e nacional, como Prudente José de Moraes Barros, que viria a ser o governador provisório de São Paulo, com a Proclamação da República, e o primeiro presidente civil do Brasil, e seu irmão, Manoel de Moraes Barros, senador federal. Segue a nota:
Manoel de Moraes Barros, Prudente José de Moraes Barros, Paulo Pinto de Almeida, João Tobias de Aguiar e Castro, Torquato da Silva Leitão, José Augusto da Rocha Almeida, Candido Borges Martins da Cunha, Luiz Vicente de Souza Queiroz, Antonio Teixeira Mendes, Engelberg Siciliano & Comp., Joaquim Fernandes de Moraes Sampaio, Theodoro Ferraz de Andrade, Julio Conceição, Joaquim Eugenio do Amaral Pinto, Bento Francisco Diehl, Raphael Sanseverino, Ricardo Pinto de Almeida, Bento Vollet, Manoel Gonçalves de Lima, João Augusto de Brito, Antonio de Barros Ferraz, Ricardo Cesar de Mattos, José Amancio da Silveira, Gottlob B. Muttschelle, Bernardino de Azevedo e Silva, Pedro Paulo Lagreca, Joaquim Martins Nogueira, José da Silva, Jayme Pinto de Almeida, Casimiro Guimarães, Bento Avelino Lordello, Francisco de Toledo e Silva, herdeiros do finado Marcellino José Pereira, Serafim Febeliano da Costa, João da Rocha Campos, Eduardo Salaz, Amador de Campos Pacheco, Antonio Manoel de Moraes Sampaio, Salvador da Silveira Corrêa, José da Cruz Moraes Sampaio e Joaquim Borges da Cunha (Cunha, 1888, p. 2).
No decorrer desse recorte temporal, 1882 a 1903, a Gazeta de Piracicaba assumiu diferentes slogans, que podem ser verificados na tabela a seguir.
Tabela 1 – Slogans da Gazeta de Piracicaba
Data | Nome do Jornal |
---|---|
10/06/1882 a 25/07/1882 | Gazeta de Piracicaba - Orgam Imparcial |
26/07/1882 a 28/07/1886 | Gazeta de Piracicaba |
29/07/1886 a 11/03/1887 | Gazeta de Piracicaba - Folha Popular |
13/03/1887 a 31/08/1888 | Gazeta de Piracicaba - Folha Diaria |
01/09/1888 a 31/07/1892 | Gazeta de Piracicaba |
01/08/1892 a 31/12/1892 | Gazeta de Piracicaba - Propriedade de uma Associação |
01/01/1893 a 31/12/1896 | Gazeta de Piracicaba - Orgam Republicano |
01/01/1897 a 30/09/1897 | Gazeta de Piracicaba |
01/10/1897 a 31/12/1902 | Gazeta de Piracicaba - Orgam Republicano |
01/01/1903 a 31/05/1903 | Gazeta de Piracicaba |
Fonte: elaborada pelos autores (2024).
Em sua primeira edição, trazia o slogan "Liberdade de pensamento é responsabilidade do autor" e se declarava um órgão imparcial, muito embora fosse declaradamente um órgão republicano. Desde sua origem, como se pode perceber no texto comemorativo dos 15 anos de existência da folha: "[...] Apesar de todas as vicissitudes, porque (sic) tem passado desde o seu início, a Gazeta conservou sempre a sua orientação de orgam republicano" (Gazeta de Piracicaba, 1897, p. 1).
De acordo com Chiarini (1988), dentre os ideais republicanos, apresentava preocupação em relação a diversos temas, como política, educação, cultura, literatura, urbanização e economia, em geral, além de atentar para os problemas locais. Tinha requinte estilístico e retratava os acontecimentos sociais, sem uma linha editorial rígida. Seu público de destinação era o leitor urbano, ainda que, como bem observa Barros (2021, p. 410), "uma variedade de práticas de leitura e transmissão oral possibilita pensar que não só os leitores-compradores de um jornal são, a qualquer tempo, os únicos que podem ter acesso ao seu conteúdo". Claramente se posicionava como um instrumento ideológico nas mãos da elite republicana local e mantinha uma proximidade "discreta" com a maçonaria. Segundo Queiroz (1988, p. 2), "a maçonaria teve no passado e mantém até hoje influência discreta sobre as empresas de comunicação da cidade". É certo que, nesse período, "parte da Imprensa era produto dela, e também parte dos líderes políticos" (Barros, 2021, p. 414).
A composição tipográfica era feita manualmente, e não era raro em seus editoriais pedidos de desculpas pela não publicação de determinadas edições por motivo de falta de material, problemas na tipografia e até mesmo falta de tipógrafo. Durante um longo período, manteve quatro páginas, variando entre três e cinco colunas, sendo que as duas páginas finais eram dedicadas a anúncios de serviços e comércios, como venda de casas, gaiolas, roupas, escravos etc. De acordo com Sodré (1999), a imprensa brasileira, do final do século XIX e início do XX, se destaca por dois aspectos — produção artesanal e anúncios — que eram comuns, pois os periódicos pequenos não tinham financiamento suficiente para se modernizar, e a sua continuidade e circulação dependiam do pagamento de anúncios.
Dentre as reformas pretendidas pelos republicanos estava a educacional. O discurso do republicanismo depositava na instrução pública e na educação novos valores de cidadania, na esperança de se instituir um regime constitucional e representativo, que sustentasse os ideais liberais econômicos e sociais baseados na industrialização e na urbanização das cidades. "Daí que, se a percepção das condições cívico-políticas da população não era favorável, surge a crença de que, pela educação, seria possível remodelar o povo, regenerá-lo para a prática política e para o trabalho" (Gonçalves Neto, 2006, p. 4).
Além de alguns folhetins que circulavam em Piracicaba, as primeiras informações sobre o desenvolvimento da atividade da imprensa na cidade remontam ao ano de 1874, quando surgiu um jornal denominado O Piracicaba, que circulou até meados de 1880. Suas páginas abordavam questões políticas e partidárias, sob a perspectiva do Partido Liberal. Em 1º de outubro de 1876, foi fundado o jornal O Piracicabano, "de propriedade de Joaquim Moreira Coelho, seu editor responsável" (Guerrini, 2009, p. 70).
No início dos anos 1880, foi criado o Jornal do Povo. As informações que temos dele é que era mantido pelos chefes monarquistas locais e dirigido por Joaquim Luiz. Seu último número circulou no dia 6 de maio de 1899, "após alguns anos de existência sempre interrompida" (Guerrini, 2009, p. 302). Até o final do recorte temporal aqui proposto, maio de 1903, registra-se o surgimento de alguns outros folhetins na cidade e do Jornal de Piracicaba, em 4 de agosto de 1900, financiado por um industrial local. Esse periódico se dizia neutro e imparcial, mas, em várias ocasiões, divergia de opinião com a Gazeta de Piracicaba. Queiroz (2008, p. 45) resume assim a saga dos primeiros jornais de Piracicaba:
[...] eram porta-vozes dos primeiros passos de uma cidade que engatinhava. Por isso há tanto ineditismo em suas páginas: as primeiras escolas, os primeiros fonógrafos, o primeiro clichê, a primeira ferrovia, a primeira escola agrícola. Numa cidade plena de novidades, o Século XX despontava como promissor. E com ele, o desenvolvimento da imprensa tenderia a ser ainda muito mais representativo.
Como registra a historiadora local Marly Perecin (1996, p. 139), nesse período, manter por anos seguidos a constância de um jornal em uma cidade do "Vale Médio do Tietê", era um fenômeno muito raro.
BARROS, José D'Assunção. Sobre o uso dos jornais como fontes históricas: uma síntese metodológica. Revista Portuguesa de História, Coimbra, t. LII, p. 397-419, 2021. DOI: https://doi.org/10.14195/0870-4147_52_17. Disponível em: https://impactum-journals.uc.pt/rph/article/view/8691/7504. Acesso em: 4 jun. 2024.
CHIARINI, João. Inventário da imprensa piracicabana. Boletim do Curso de Comunicação da UNIMEP, Piracicaba, n. 8, p. 3-12, jun. 1988.
CUNHA, Joaquim Borges da. Gazeta de Piracicaba. Gazeta de Piracicaba, Piracicaba, 12 dez. 1888. Seção A Pedidos, p. 2.
GAZETA DE PIRACICABA. Gazeta de Piracicaba, Piracicaba, 12 jun. 1897, p. 1.
GONÇALVES NETO, Wenceslau. Repensando a história da educação brasileira na Primeira República: o município pedagógico como categoria de análise. In: LOMBARDI, José Claudinei (org.). Navegando na História da Educação Brasileira. Campinas: Faculdade de Educação-UNICAMP, 2006, CD-ROM.
GUERRINI, Leandro. História de Piracicaba em quadrinhos. Piracicaba: Equilíbrio: Instituto Histórico e Geográfico – IHGP, 2009. v. 2.
PERECIN, Marly Therezinha Germano. Os versos "chinfrins" e o crime de ser povo em Piracicaba. Notícia Bibliográfica e Histórica, Campinas, ano XXVIII, n. 161, p. 132-150, abr./jun. de 1996.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso. Piracicaba, 106 anos de imprensa diária. Jornal de Piracicaba, 16 jun. 1988, p. 2.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso. A trajetória do 'Jornal de Piracicaba' diante da história e do desenvolvimento da cidade no século XX. São Bernardo do Campo: Cátedra UNESCO; Metodista de Comunicação, 2008.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.